"A partir do momento em que se coloca o problema do tempo para ler, é porque a vontade não está lá. Porque, se pensarmos bem, ninguém jamais tem tempo para ler. Nem pequenos, nem adolescentes, nem grandes. A vida é um entrave permanente à leitura.
O tempo para ler é sempre um tempo roubado. (Tanto como o tempo para escrever, aliás, ou o tempo para amar.). Roubado a quê? Digamos, à obrigação de viver.
(...)
O tempo para ler, como o tempo para amar, dilata o tempo para viver.
(...)
Eu nunca tive tempo para ler, mas nada, jamais, pôde me impedir de terminar um romance de que eu gostasse. A leitura não depende da organização do tempo social, ela é, como o amor, uma maneira de ser. A questão não é saber se tenho tempo para ler ou não (tempo que, aliás, ninguém me dará), mas se me ofereço ou não a felicidade de ser leitor."
Os trechos acima são do livro Como um romance, do escritor francês nascido em Marrocos, Daniel Pennac, que faz os leitores refletirem sobre o ato de ler, sobre o momento em que permitimos que nossas crianças - antes ávidas por historinhas no aconchego dos lençóis - se distanciassem dos livros e da leitura.
Pennac arrisca algumas suposições sobre esse distanciamento. Muitos pais quando a criança começa a ler, resgatam para si os minutos que dedicavam a ela. O momento de aconchego e de fantasia compartilhada é rompido. A escola também pode ter sua parcela de culpa, com leituras obrigatórias, fichas de leitura e questões sobre o livro, quando a criança precisa do silêncio para a obra crescer e transformar-se dentro dela, fazer sentido. O que era prazer, vira obrigação.
Para Pennac:
"O verbo ler não suporta o imperativo. Aversão que partilha com alguns outros: o verbo “amar”… o verbo “sonhar”…
Bem, é sempre possível tentar, é claro. Vamos lá: “Me ame!” “Sonhe!” “Leia!” “Leia logo, que diabo, eu estou mandando você ler!”
- Vá para o seu quarto e leia!
Resultado?
Nulo."
O escritor vai de página em página tecendo seu amor pela leitura em um livro simples e verdadeiro. Um ensaio poético para qualquer idade.
"Uma aluna desse professor assim o descreve:
Ele chegava desgrenhado pelo vento e pelo frio, em sua moto azul e enferrujada. Encurvado, numa japona azul-marinho, cachimbo na boca ou na mão. Esvaziava uma sacola de livros sobre a mesa. E era a vida. (…) Ele caminhava, lendo, uma das mãos no bolso e, a outra, a que segurava o livro, estendida como se, lendo-o, ele o oferecesse a nós. Todas as suas leituras eram como dádivas. Não nos pedia nada em troca.
Ao final do ano, os alunos somavam: Shakespeare, Kafka, Beckett, Cervantes, Cioran, Valéry, Tchecov, Bataille, Strindberg. A lista era imensa. E ela continua no seu depoimento emocionado:
Quando ele se calava, esvaziávamos as livrarias de Renner e de Quimper. E quanto mais líamos, mais, em verdade, nos sentíamos ignorantes, sós sobre as praias de nossa ignorância, e face ao mar. Com ele, no entanto, não tínhamos medo de nos molhar. Mergulhávamos nos livros, sem perder tempo em braçadas friorentas." (Trecho retirado do blog Leituras Favre)
Por fim, ele nos revela os Direitos Imprescritíveis do Leitor:
I - O direito de não ler.
II - O direito de pular páginas.
III - O direito de não terminar um livro.
IV - O direito de reler.
V - O direito de ler qualquer coisa.
VI - O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível).
VII - O direito de ler em qualquer lugar.
VIII - O direito de ler uma frase aqui outra ali.
IX - O direito de ler em voz alta.
X - O direito de calar
Sem dúvida um livro para ter na estante!
Fonte: https://culturamidiaeducacao.blogspot.com/2009/11/o-verbo-ler-nao-aceita-imperativo.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário