domingo, 22 de abril de 2012

A SABEDORIA DOS DITADOS ...




Rogério Lacaz-Ruiz
"É a mulher que faz ou desfaz a casa"
"Deus, que é eterno faz com que cada um tenha o seu dia"

(Provérbios árabes)






O ser humano começa a amadurecer quando toma consciência das próprias limitações. Muitas pessoas morrem com idade avançada, mas nem todas morrem com espírito jovem. O ser humano é limitado, e as coisas que o cercam também! Uma das limitações humanas é a linguagem. E os problemas de comunicação aparecem, queiramos ou não.
O que há em comum então entre os homens? Qual o denominador comum? Enxergamos limites distintos nas pessoas..., mas elas continuam sendo pessoas! Segundo Boécio (sec.V) a pessoa é uma substância individual de natureza racional. Tudo o que diz respeito a natureza hu-mana, é comum a todos. Nem por isso, perdemos nossa individualidade; somos responsáveis pelos nossos atos, e não podemos desfazê-los. O falar, o escrever, são atos humanos.
A sociabilidade do homem, não exclui sua individualidade. A sociedade continuará existindo, independente de nós; e existem certos princípios que valem para todos os homens. Estes princípios, que fazem parte da cultura, são valores transmitidos de geração em geração, de pais para filhos, e correspondem ao mundo real, e à verdade das coisas. Por este motivo são perenes e universais, contrapondo aos chavões, próprios de algum lugar, ou limitados no tempo.
Os ditados, ou "...sentenças do ocidente medieval e da tradição árabe (amthal) são totalmente distintos dos sentenciários contemporâ-neos, veiculados por livros folhinha, livros-agenda e demais pílulas de otimismo, reflexão em gotas, etc ... Sentenças hoje, sentenças dos antigos. Há porém, uma decisiva diferença entre nosso pensamento minimalista e a sabedoria dos antigos: nós estamos voltados somente para o interessante; eles, para a verdade das coisas." (Lauand, 1994.)
Por estes motivos - o da universalidade e o da perenidade -, vale a pena recordar alguns ditados populares, que irão enriquecer o nosso cotidiano, e poderão contribuir para simplificar as nossas relações sociais, ou mesmo o viver.
Um primeiro exemplo, vem de Tomás de Aquino (1225-1274) São sentenças usadas em seus escritos, ou cunhadas por ele próprio. Des-te modo, verificamos que muito do que dizemos hoje, já era lugar-comum há alguns séculos, o que reforça sua perenidade e universalidade.

1. "O poder mostra o que o homem é"
2. "Cada qual com seu igual"
3. "Para frente é que se anda"
4. "Uma andorinha só não faz verão"
5. "Ler e não entender é negligenciar"
8. "Quem diz as verdades, perde as amizades"
9. "A verdade gera o ódio"
10. "Sou homem e tudo o que é humano me diz respeito" (Terêncio)

Também para a tradição ocidental, os ditados e sentenças de ori-gem latina representam um tesouro cultural. Fumagalli (1955) recolheu 2948 "sentenze proverbi motti divise frasi e locuzioni latine", e alguns, que dizem respeito particularmente ao homem, podem ser recordados.

1. Homo est animal bipes sine pennis (Platão)
"O homem é um animal bípide sem penas".

2. Homo est animal bipes rationale (Boecio)
"O homem é um animal bípide racional".

3. Homo de humo (S. Bernardo)
"O homem é feito da terra".

4. Homo proponit, sed Deus disponit (Tomás de Kempis)
"O homem propõe e Deus dispõe".

É curioso notar a perenidade destes ditados, pois "O homem pro-põe e Deus dispõe" foi escrito por um europeu que nasceu em 1380; Boé-cio era do sec.V; S. Bernardo (1090-1153) e Platão (427-349 a.C.). E com certeza já escutamos de algum familiar um destes dizeres. O conhecido provérbio "Mais vale um pássaro na mão, do que dois voando" é de origem árabe, e foi usado na França medieval. (Hanania, 1995.) e o "Antes só do que mal acompanhado" ("Mejor sería andar solo que mal acompañado") já era usado em 1335 na Espanha. (Fujikura, 1995.)
Os provérbios chineses, tem uma característica muito peculiar: são compostos de quatro ideogramas e, segundo Horta (1997), "Trata-se de um máximo de informação em um mínimo de espaço." Estes provérbios, são tidos também como um "tesouro, revelando estruturas universais da vida..."

1. Chi Ren Shuo Meng (Idiota Pessoa Falar Sonho)
- Usado quando alguém diz algo absurdo.

2. Yu Su Bu Da (Desejo Velocidade Não Sucesso)
- Semelhante ao provérbio "A pressa é inimiga da perfeição".

3. Hua Er Bu Shi (Flor mas não fruto)
- Para pessoas que tem uma aparência, mas não conteudo.

4. Fu Shui Nan Shou (Derramar Água Difícil Coletar)
- Em nosso meio, diríamos: "Não adianta chorar o leite derramado".

5. Dui Niu Tan Qin (Conforme Vaca Tocar Alaúde)
Ou seja "Não jogue pérola aos porcos".

Apesar de notarmos que algumas sentenças e provérbios descritos anteriormente utilizam as características dos animais domésticos para fa-zer alguma analogia com o homem, vale a pena recordar outros, ampla-mente utilizados em nosso meio.

1. Não coloque o carro na frente dos bois.
2. Você levou gato por lebre.
3. Caiu do cavalo.
4. Montou no porco.
5. Cacarejar e não botar ovos.
6. Quem se faz de cordeiro será comido pelo lobo.
7. Quem não tem cão, caça com gato.
8. Macaco que muito pula quer chumbo.
9. Macaco velho não mete a mão em cumbuca.
10. Filho de peixe, peixinho é.
11. Quem quebra o galho é macaco gordo.
12. Animal que urina para trás, coloca o dono para frente.
13. Passarinho que come pedra sabe o ânus que tem.
14. Cão que ladra não morde.
15. A cobra vai fumar.
16. Cada macaco no seu galho.
17. Cutucar a onça com a vara curta.
18. Lobo com pele de cordeiro.
19. Ovelha negra da família.
20. Chutar cachorro morto é fácil.
21. Não cortar a pata do burro por um único coice.
22. Matar dois coelhos com uma cajadada só.
23. A cavalo dado não se olha os dentes.
24. Gato escaldado tem medo de água fria.
25. Os cães ladram e caravana passa.
26. Não jogar pérola aos porcos.
27. Quando o gato sai, os ratos fazem a festa.
28. Focinho de porco não é tomada.
29. Em rio com piranha, jacaré nada de costas.
30. Jacaré que fica parado vira bolsa.
31. Está na hora da onça beber água.
32. Um dia é o da caça, outro do caçador.
33. Não chame o papagaio de meu louro.
34. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
35. Fez do lobo o guardião de ovelhas.


Como se pode observar, as palavras ganham força, quando se ade-quam a realidade, quando dizem respeito ao ser humano e a sua natureza. Recordar os ditados, sentenças, provérbios de diferentes origens e épocas históricas, reforça a tese de que são universais e perenes; e que podem ser aplicados no dia-a-dia para simplificar a vida, retratar uma realidade, ou até mesmo ajudar, com bom humor, um amigo a (re)ver algo.


Referências Bibliográficas
Fujikura, A.L.C. "Provérbios literários e "enxiemplos"" da Espanha Me-dieval. In: L. J. Lauand (org.) Oriente & Ocidente: Idade Média: Cultu-ra popular. São Paulo: EDIX/ CEAr/DLO-FFLCH/USP, 1995, pp.25-30.
Fumagalli, G. L’ape Latina: 2948 sentenze proverbi motti divise frasi e locuzioni latine. Milano: Hoepli, 1955, p.108-109.
Hanania, A.R. "Une foiz es la premiere - Provérbios franceses medievais" In: L. J. Lauand (org.) Oriente & Ocidente: Idade Média: Cultura popu-lar. São Paulo: EDIX/ CEAr/DLO-FFLCH/USP, 1995, pp.19-24.
Horta, S.R.G. "Provérbios na tradição chinesa". In: Bretzke, G.G. & Horta, S.R.G. Calidoscópio. São Paulo: Mandruvá, 1997, p.51-58.
Lauand, L.J. "Sentenças de sabedoria dos antigos". In: Hanania, A. R.; Lauand, L.J. Oriente & Ocidente: Sentenças e sabedoria dos antigos. São Paulo: EDIX/Centro de Estudos Árabes DLO-FFLCH/USP, 1994.

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